sábado, 13 de abril de 2013

Disco: “Esses Patifes”, Ruspo

Ruspo



A chamada Música Popular Brasileira (MPB) poucas vezes mereceu esse nome. Em primeiro lugar, porque raras vezes o gênero atingiu a auto-proclamada popularidade. No auge da ditadura, que coincidiu com a era de ouro da MPB, os artistas mais famosos, que mais tocavam nas rádios e que mais vendiam discos eram os artistas de Música Romântica, gênero que ficou mais tarde conhecido como “brega”, encabeçados pelo rei Roberto Carlos. (Como disse a filósofa Marilena Chaui, “as composições mais admiradas pela população ‘popular’ são aquelas que costumam receber a qualificação pejorativa de kitsch”). Em segundo lugar, a MPB limitou-se a apropriação dos ritmos populares sem, contudo, abordar em suas canções temas relativos à maior parcela da população brasileira, isto é,  às classes sociais mais desfavorecidas, e que podiam legitimamente serem chamadas de populares. O indie pop brasileiro atual herdou essas características da MPB. Embora frequentemente beba de fontes populares para criar novos ritmos, raramente são abordados temas relativos às classes populares - justiça seja feita, os novos nomes do rap são exceção. Pois bem, essa lacuna acaba de ser preenchida - e com louvor - pelo jornalista, compositor e cantor Ruy Sposati, o Ruspo.
Em seu disco de estreia, “Esses Patifes”, do selo Um Distante Maestro, Ruspo desfila por temas complexos de cunho social vividos por gente simples. No sambinha Altamira, estão presentes os dilemas de um trabalhador na construção da usina hidrelétrica de Belo Monte: "se eu sei que estraga toda essa florestacidade? / mas é claro, ninguém é idiota! / se fosse hospital, eu fazia igual". Na faixa Brasília é Luísa, há espaço para a manifestação de indígenas na capital nacional, com "30 indiozinhos botando banca e / urucubaca no Advogado Geral". As repercusões da expansão agrícola pelo Centro-Oeste também estão presentes. A faixa intitulada Tekoha apresenta o ponto de vista do índio expulso da terra onde nasceu substituído pela "cana, soja e gado / eu quero que me plante aqui na aldeia / porque é aqui que eu nasci". Já no funk Chatuba do Agroboy, é a voz do filho do produtor rural que se faz ouvir: "máquina agrícola, detono igual animal / com papai e o pistoleiro eu apavoro geral".



Mesmo assim, o disco não é nem tenso nem intelectualizado. Pelo contrário, o estilo “Lo-fi Tropical”, conforme classificação do próprio artista, é leve e acessível. É possível encontrar diversas influências musicais (entre elas, Radiohead, James Blake e Gilberto Gil) e culturais (que vão de Mortal Kombat a James Joyce). A sonoridade das canções, que mistura de forma equilibrada o eletrônico com o orgânico, é parecida com a utilizada pelo americano Youth Lagoon. A grande diferença é a introdução de ritmos tipicamente brasileiros, em estilo parecido, mas menos caricatural, que o obtido pelo mineiro Zé Rolê com seu disco Mental Surf (2012, Desmonta). Além disso, o disco utiliza uma ampla variedade de ritmos, da mesma forma que Wado em seu aclamado álbum Terceiro Mundo Festivo (2008).
Ao longo das faixas, Ruspo nos conduz em de um passeio pelo Brasil. Não só por meio de sua ampla utilização de ritmos brasileiros, como também através de referências diretas à lugares como Brasília (DF), Belém (PA), Campinas (SP), Altamira (PA) e Santos (SP) - todas cidades visitadas pelo artista ao longo dos últimos dois anos devido ao seu trabalho como jornalista. (Nesse período, o jornalista Ruy Sposati se dedicou a cobrir o dia a dia das obras de construção da Usina de Belo Monte, no Pará, e ao mesmo tempo a gravar seu disco de estreia).
Apesar da roupagem eletrônica das canções, os personagens que vão surgindo são gente simples, do campo, índios. O protagonista da faixa intitulada Anastácio, por exemplo, não quer energia na sua casa”. Apesar de autêntico, Ruspo não pode ser considerado como um inovador em sentido musical. Seu maior mérito, no entanto, foi ter utilizado a estética do indie-pop para produzir um álbum engajado em sentido social sem deixar de ser leve, isto é, legitimamente pop. “Esses Patifes” soa regional e cosmopolita, engajado e moderno - tudo ao mesmo tempo. Mais ou menos como ocorreria se um filme do Mazzaropi fosse dirigido pelo Woody Allen.


Esses Patifes (2013, Um Distante Maestro)
Nota: 9.0
Para quem gosta de: Wado, Silva, Psilosamples
Ouça: Filomena, Altamira, Tenha Fé




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